sábado, 29 de março de 2008

FÁBULA MODERNA (Autor Desconhecido)


Uma galinha achou alguns grãos de trigo e disse a seus vizinhos: “Se plantarmos este trigo, teremos pão para comer. Alguém quer me ajudar a plantá-lo?”

“Eu não”, disse a vaca.
“Nem eu”, emendou o pato.
“Eu muito menos”, completou o bode.
“Eu também não”, falou o porco.

“Então eu mesma planto”, disse a galinha. E assim o fez. O trigo cresceu alto e amadureceu em grãos dourados. “Quem vai me ajudar a colher o trigo?”, quis saber a galinha.

“Eu não”, disse o pato.
“Não depois de tantos anos de serviço”, exclamou a vaca.
“Não faz parte de minhas funções”, disse o porco.
“Eu me arriscaria a perder o seguro-desemprego”, disse o bode.

“Então eu mesma colho”, falou a galinha, e colheu o trigo ela mesma.

Finalmente, chegou a hora de preparar o pão. “Quem vai me ajudar a assar o pão?” indagou a galinha.

“Só se me pagarem hora extra”, falou a vaca.
“Eu não posso por em risco meu auxílio-doença”, emendou o pato.
“Eu fugi da escola, nunca aprendi a fazer pão e não quero perder o Bolsa Família”, disse o porco.
“Caso só eu ajude, é discriminação”, resmungou o bode.

“Então eu mesma faço”, exclamou a pequena galinha. Ela assou cinco pães, e pôs todos numa cesta para que os vizinhos pudessem ver. De repente, todo mundo queria pão, e exigiu um pedaço. Mas a galinha simplesmente disse: “Não! Eu vou comer os cinco pães sozinha”.

“Lucros excessivos!”, gritou a vaca.
O porco, esse só grunhiu.
“Sanguessuga capitalista!”, exclamou o pato.
“Eu exijo direitos iguais!”, bradou o bode.

Quando um agente do governo chegou, disse à galinhazinha: “Você não pode ser assim egoísta” “Mas eu ganhei esse pão com meu próprio suor”, defendeu-se a galinha.

“Exatamente”, disse o funcionário do governo. "Essa é a beleza da livre empresa. Qualquer um aqui na fazenda pode ganhar o quanto quiser. Mas sob nossas modernas regulamentações governamentais, os trabalhadores mais produtivos têm que dividir o produto de seu trabalho com os que não fazem nada”.

E todos viveram felizes para sempre, inclusive a pequena galinha, que sorriu e cacarejou: “eu estou grata”, “eu estou grata”.

Mas, os vizinhos sempre se perguntavam por que a galinha nunca mais fez um pão.

Essa fábula deveria ser distribuída e estudada em todas as escolas brasileiras.

Quem sabe assim, em uma ou duas gerações, sua mensagem central pudesse tomar o lugar de toda essa sanha pseudo-socialista que insiste em assombrar nosso país e condená-lo à eterna miséria.



Clique aqui para checar a coerência de Fidel Castro







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sábado, 22 de março de 2008

ENTREVISTA PAULO ZOTTOLO - ISTO É DINHEIRO 31-01-08

Sem alarde, com muita discrição, a holandesa Philips passa hoje por uma forte mudança em sua forma de trabalhar – a mais profunda reviravolta nas últimas décadas. A reformulação afeta em cheio o negócio que deu nome e força à marca: a área de eletroeletrônicos. Com o objetivo de melhorar a rentabilidade, desde o primeiro dia do ano, as operações passaram a ser divididas em três segmentos: estilo de vida e consumo, cuidados com a saúde e iluminação. A idéia é fazer cada vez mais dinheiro com as duas últimas áreas, que englobam equipamentos hospitalares e lâmpadas, por exemplo. Os novos ventos chegaram também à subsidiária brasileira, assim como ocorreu em todas as filiais. Só que, por aqui, a virada na cultura e na estrutura da empresa criou gargalos e ruídos inéditos na longa trajetória da Philips no País. O abastecimento do varejo ficou comprometido, a concorrência avançou sobre sua participação de mercado e o portfólio de produtos encolheu.



As mudanças mais significativas aconteceram na área comercial. As forças de vendas da Philips e da Walita estão em processo de unificação. Os mesmos vendedores que retiram pedidos de TVs ou DVDs devem negociar a linha de eletrodomésticos, por exemplo. O escritório na sede da filial, na Chácara Santo Antônio, em São Paulo, está em plena reforma. Ao mesmo tempo, o comando no Brasil tomou algumas medidas específicas para a operação local, com revisão da linha de produtos e alterações no alto escalão. Tantas mexidas provocaram efeitos no mercado. O varejo teve dificuldades de receber eletroeletrônicos da Philips nos últimos meses. Uma grande rede varejista não compra mais com regularidade da Philips há um ano, apurou a DINHEIRO. “Certo dia liguei para a área de vendas, e não sabia com quem tirar o pedido”, diz o varejista. Nas redes Ponto Frio, Magazine Luiza, Extra, Fast Shop e Casa & Vídeo, a Philips tem, em média, apenas três modelos de TVs de LCD para venda. O televisor de cristal líquido é o principal negócio da empresa no setor. Sony, Samsung e LG oferecem até 12 modelos ao cliente. O televisor da linha Ambilight (aquele com luzes nas laterais), a coqueluche da marca, só foi encontrado em duas lojas. Já há estimativas de que a LG tenha chegado a 40% de participação de mercado em televisores.

A agressividade dos rivais fez Paulo Zottolo, presidente da Philips, mexer, há cinco meses, na área de marketing do grupo. Ele trouxe para a companhia Gisela Turqueti, que ocupava a diretoria da mesma área na Samsung. Na mídia, a empresa contratou Ivete Sangalo, a garota-propaganda da vez, que aparece em comerciais de xampus, cerveja, automóvel, entre outros. A decisão foi tomada depois que a campanha mundial “Sense and Simplicity” não pegou por aqui. Não se sabe se a baiana funcionou. Um balanço da ação deve ser apresentado nas próximas semanas. Procurada por DINHEIRO, a companhia informa que “fez alterações no seu portfólio no ano passado e isso pode ter afetado o varejo”. Mas esclarece que a situação está normalizada. Além disso, informa que a produção do modelo Ambilight será mantida, e novos modelos devem ser lançados. E esclarece que o grupo cresceu no ano passado no País, embora não possa apresentar os números. Enquanto isso, lá fora, a companhia encolhe no setor eletrônico. As vendas mundiais da Philips nessa área caíram de 10,5 bilhões de euros em 2006 para 10,3 bilhões de euros em 2007. Todos os grandes concorrentes cresceram, relatam os balanços. Em relatório ao mercado, a Philips informa que o setor requer “ação e atenção” – duas palavras que já parecem fazer parte do dicionário de Zottolo por aqui.



quinta-feira, 13 de março de 2008

SER OU NÃO SER... Hamelet - Willian Shakespeare

"Ser ou não ser, eis a questão!

Que é mais nobre para o espírito: sofrer os dardos e setas de um ultrajante fado, ou tomar armas contra um mar de calamidades para pôr-lhes fim, resistindo? Morrer... dormir; nada mais! E com o sono, dizem, terminamos o pesar do coração e os mil naturais conflitos que constituem a herança da carne!

Que fim poderia ser mais devotamente desejado? Morrer... dormir! Dormir!... Talvez sonhar! Sim, eis aí a dificuldade! Porque é forçoso que nos detenhamos a considerar que sonhos possam sobrevir, durante o sono da morte, quando nos tenhamos libertado do torvelinho da vida.

Aí está a reflexão que torna uma calamidade a vida assim tão longa! Porque, senão, quem suportaria os ultrajes e desdéns do tempo, a injúria do opressor, a afronta do soberbo, as angústias do amor desprezado, a morosidade da lei, as insolências do poder e as humilhações que o paciente mérito recebe do homem indigno, quando ele próprio pudesse encontrar quietude com um simples estilete?

Quem gostaria de suportar tão duras cargas, gemendo e suando sob o peso de uma vida afanosa, se não fosse o temor de alguma coisa depois da morte, região misteriosa de onde nenhum viajante jamais voltou...

À UMA DEUZA (sic) - Luiz Lisboa

Tu és o quelso do pental ganírio
Saltando as rimpas do fermim calério,
Carpindo as taipas do furor salírio
Nos rúbios calos do pijom sidério.

És o bartólio do bocal empírio
Que ruge e passa no festim sitério,
Em ticoteios de partano estírio,
Rompendo as gâmbias do hortomogenério.

Teus lindos olhos que têm barlacantes
São camençúrias que carquejam lantes,
Nas duras pélias do pegal balônio.

São carmentórios de um carce metálio,
De lúrias peles em que pulsa obálio,
Em vertimbáceas do pental perônio.”

À DONA BÁRBARA HELIODORA - Alvarenga Peixoto

Bárbara bela,
Do Norte estrela,
Que o meu destino
Sabes guiar,
De ti ausente
Triste somente
As horas passo
A suspirar.

Por entre as penhas
De incultas brenhas
Cansa-me a vista
De te buscar;
Porém não vejo
Mais que o desejo,
Sem esperança
De te encontrar.

Eu bem queria
A noite e o dia
Sempre contigo
Poder passar;
mas orgulhosa
Sorte invejosa,
Desta fortuna
Me quer privar.

Tu, entre os braços,
Ternos abraços
Da filha amada
Podes gozar;
Priva-me a estrela
de ti e dela,
Busca dous modos
De me matar!

VOU-ME EMBORA PARA PASSÁRGADA - Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Passárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Passárgada

Vou-me embora pra Passárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Passárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Passárgada.

VOCÊ SABE QUANDO UMA MULHE É GRANDE OU PEQUENA - Martha Medeiros

"Há mulheres de todos os gêneros: histéricas, batalhadoras, frescas, profissionais, chatas, inteligentes, gostosas, parasitas, sensacionais.Mulheres de origens diversas, de idades várias, mulheres de posses ou de grana curta. Mulheres de tudo quanto é jeito.Mas, se eu fosse você prestaria atenção apenas num quesito: se a mulher é do tipo que puxa pra cima ou se é do tipo que empurra pra baixo.

Dizem que por trás de todo grande homem existe uma grande mulher!Meia-verdade. Ele pode ser grande estando sozinho também.Mas, com uma mulher xarope ele não vai chegar a lugar algum.

Mulher que puxa pra cima é mulher que aposta nas decisões do cara, que não fica telefonando pro escritório toda hora, que tem a profissão dela, que o apóia quando ele diz que vai pedir demissão por questões éticas e que confia que vai dar tudo certo.

Mulher que empurra pra baixo é a que põe minhoca na cabeça dele, a que tem acessos de carência bem na hora que ele tem que entrar numa reunião, a que não avaliza nenhuma mudança que ele propõe (inclusive decisões melhores para os dois), a que quer manter tudo como está.

Mulher que puxa pra cima é a que dá uns toques na hora de ele se vestir, a que não perturba com questões menores, a que incentiva o marido a procurar os amigos, a que separa matérias de revista que possam interessá-lo, a que indica livros, a que faz amor com vontade.

Mulher que empurra pra baixo é a que reclama do salário dele, a que não acredita que ele tenha taco pra assumir uma promoção, a que acha que viajar é despesa e não investimento, a que tem ciúmes da secretária.

Mulher que puxa pra cima é a que dá conselhos e não palpite, a que acompanha nas festas e nas roubadas, a que tem bom humor.

Mulher que empurra pra baixo é a que debocha dos defeitos dele em rodinhas de amigos e que não acredita que ele vá mais longe do que já foi.

Se por trás de todo grande homem, existe uma grande mulher, então vale o inverso também: por trás de um pequeno homem, talvez exista uma mulherzinha de nada."

TÁTICA E ESTRATÉGIA - Mário Benedetti

Minha tática é olhar-te
aprender como tu és
querer-te como tu és

minha tática éfalar-te
e escutar-te
construir com palavras
uma ponte indestrutível

minha tática é
ficar em tua lembrança
não sei como nem sei
com que pretexto
porém ficar em ti

minha tática é
ser franco
e saber que tu és franca
e que não nos vendemos
simulados
para que entre os dois
não haja cortinas
nem abismos

minha estratégia é
em outras palavras
mais profunda e mais
simples

minha estratégia é
que um dia qualquer
não sei como nem sei
com que pretexto
por fim me necessites.

TEU RISO - Pablo Neruda

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbitobrota da tua alegria,
a repentina ondade prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho

,quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

SONETO DE ORFEU - Vinicius de Moraes

São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.

E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.

Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.

Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.

SONETO DA FIDELIDADE - Vinicius de Moraes

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

SE - Rudyard Kipling

Se és capaz de manter tua calma,
quando,todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.

Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho

POEMA DAS SETE FACES - Carlos Drummond de Andrade

Quando eu nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coraçãoPorém meus olhos
não perguntam nada

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucas, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
Se eu me chamasse Raimundo
seria apenas rima, não seria solução.

Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

DE TANTO VER TRIUNFAR AS NULIDADES... Rui Barbosa

De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se
os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto.

PARA QUE SERVEM AS MÃOS - Giuseppe Ghiaroni

Para que servem as mãos?

As mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar, construir, trabalhar, escrever...

As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau, salvou o trono da França e apagou a auréola do famoso revolucionário; Múcio Cévola queimou a mão que, por engano não matou Porcena;

foi com as mãos que Jesus amparou Madalena; com as mãos David agitou a funda que matou Golias; as mãos dos Césares romanos decidiam a sorte dos gladiadores vencidos na arena;

Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência; os anti-semitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte! Foi com as mãos que Judas pôs ao pescoço o laço que os outros Judas não encontram.

A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda; o operário construir e o burguês destruir; o bom amparar e o justo punir; o amante acariciar e o ladrão roubar; o honesto trabalhar e o viciado jogar.

Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba! Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia! As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios e os venenos; os bálsamos e os instrumentos de tortura, a arma que fere e o bisturi que salva.

Com as mãos tapamos os olhos para não ver, e com elas protegemos a vista para ver melhor. Os olhos dos cegos são as mãos. As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo como os peixes; no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros.

O autor do "Homo Rebus" lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida; a primeira almofada para repousar a cabeça, a primeira arma e a primeira linguagem.

Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas. A mão aberta, acariciando, mostra a bondade; fechada e levantada mostra a força e o poder; empunha a espada a pena e a cruz! Modela os mármores e os bronzes; da cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e da fantasia nas formas eternas da beleza.

Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza; doce e piedosa nos afetos medica as chagas, conforta os aflitos e protege os fracos.

O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou um juramento de felicidade. O noivo para casar-se pede a mão de sua amada; Jesus abençoava com a s mãos; as mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes.

Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar. Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as lágrimas alheias.

E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando os fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem. Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos maternas que nos seguram o corpo pequenino. E no fim da vida, quando os olhos fecham e o coração pára, o corpo gela e os sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera que continuam na morte as funções da vida. E as mãos dos amigos nos conduzem... E as mãos dos coveiros nos enterram!

OS LUSÍADAS - Canto I, 1-3 - Luiz de Camões

As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,

E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.

Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

OS FILHOS - Khalil Gibran

Uma mulher que carregava o filho nos braços disse:
"Fala-nos dos filhos."

E ele falou:

Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.

E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.

Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.

Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.

Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.

ORAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA - Picco della Mirandola

Não te dei face, nem lugar que te seja próprio, nem dom algum que te faça particular, ó Adão, a fim de que tua face, teu lugar e teus dons, tu os desveles, conquistes e possuas por ti mesmo.
Leis por mim estabelecidas definem a natureza de outras espécies.

Mas tu, a quem nenhum confim delimita, por teu próprio arbítrio, entre as mãos daquele que te colocou, tu te defines a ti mesmo.

Te pus no mundo a fim de que possas melhor contemplar o que contém o mundo.
Não te fiz celeste nem terrestre, mortal ou imortal, a fim de que tu mesmo, livremente, à maneira de um bom pintor ou de um hábil escultor, descubras a tua própria forma...

O AMOR - Khalil Gibran

E alguém disse:
Fala-nos do Amor:-

Quando o amor vos fizer sinal, segui-o;
ainda que os seus caminhos sejam duros e difíceis.
E quando as suas asas vos envolverem, entregai-vos;
ainda que a espada escondida na sua plumagemvos possa ferir.

E quando vos falar, acreditai nele;
apesar de a sua voz
poder quebrar os vossos sonhos
como o vento norte ao sacudir os jardins.

Porque assim como o vosso amor
vos engrandece, também deve crucificar-vos
E assim como se eleva à vossa altura
e acaricia os ramos mais frágeis
que tremem ao sol,
também penetrará até às raízes
sacudindo o seu apego à terra.

Como braçadas de trigo vos leva.
Malha-vos até ficardes nus.
Passa-vos pelo crivo
para vos livrar do joio.
Mói-vos até à brancura.
Amassa-vos até ficardes maleáveis.

Então entrega-vos ao seu fogo,
para poderdes sero pão sagrado no festim de Deus.

Tudo isto vos fará o amor,
para poderdes conhecer os segredos
do vosso coração,
e por este conhecimento vos tornardes
o coração da Vida.

Mas, se no vosso medo,
buscais apenas a paz do amor,
o prazer do amor,
então mais vale cobrir a nudez
e sair do campo do amor,
a caminho do mundo sem estações,
onde podereis rir,
mas nunca todos os vossos risos,
e chorar,
mas nunca todas as vossas lágrimas.

O amor só dá de si mesmo,
e só recebe de si mesmo.

O amor não possui
nem quer ser possuído.
Porque o amor basta ao amor.

E não penseis
que podeis guiar o curso do amor;
porque o amor, se vos escolher,
marcará ele o vosso curso.

O amor não tem outro desejo
senão consumar-se.

Mas se amarem e tiverem desejos,
deverão se estes:
Fundir-se e ser um regato corrente
a cantar a sua melodia à noite.

Conhecer a dor da excessiva ternura.
Ser ferido pela própria inteligência do amor,
e sangrar de bom grado e alegremente.

Acordar de manhã com o coração cheio
e agradecer outro dia de amor.

Descansar ao meio dia
e meditar no êxtase do amor.

Voltar a casa ao crepúsculo
e adormecer tendo no coração
uma prece pelo bem amado,
e na boca, um canto de louvor.

Khalil Gibran

NO MEIO DO CAMINHO - Carlos Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

NAVEGAR É PRECISO - Fernando Pessoa

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".

Quero para mim o espírito desta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpoe a (minha alma) a lenha desse fogo.

Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.

MEUS OITO ANOS - Casimiro de Abreu

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!

Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minhã irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus
—Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

MAR PORTUGUÊS - Fernando Pessoa

"Ó mar salgado,
quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu"

JOSÉ - Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?
A festa acabou,a luz apagou,
o povo sumiu,a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acaboue tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.José,
e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

ISMÁLIA - Alphonsus Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,S
eu corpo desceu ao mar...

Alphonsus de Guimaraens (Afonso Henriques da Costa Guimaraens), nasceu em Ouro Preto (MG), em 1870 e faleceu em Mariana (MG), em 1921. Bacharelou-se em Direito, em 1894, em sua terra natal. Desde seus tempos de estudante colaborava nos jornais “Diário Mercantil”, “Comércio de São Paulo”, “Correio Paulistano”, “O Estado de S. Paulo” e “A Gazeta”. Em 1895 tornou-se promotor de Justiça em Conceição do Serro (MG) e, a partir de 1906, Juiz em Mariana (MG), de onde pouco sairia. Seu primeiro livro de poesia, Dona Mística, (1892/1894), foi publicado em 1899, ano em que também saiu o “Setenário das Dores de Nossa Senhora. Câmara Ardente”. Em 1902 publicou “Kiriale”, sob o pseudônimo de Alphonsus de Vimaraens. Sua “Obra Completa” foi publicada em 1960. Considerado um dos grandes nomes do Simbolismo, e por vezes o mais místico dos poetas brasileiros, Alphonsus de Guimaraens tratou em seus versos de amor, morte e religiosidade. A morte de sua noiva Constança, em 1888, marcou profundamente sua vida e sua obra, cujos versos, melancólicos e musicais, são repletos de anjos, serafins, cores roxas e virgens mortas.

IRACEMA - José de Alencar

Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba.

Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;

Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.

Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?

Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?

Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora.

Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no berço das florestas, e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem.

A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas:

- Iracema !

O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos presos na sombra fugitiva da terra; a espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam as duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortúnio.

Nesse momento o lábio arranca d'alma um agro sorriso

Que deixara ele na terra do exílio?

Uma história que me contaram nas lindas várzeas onde nasci, à calada da noite, quando a lua passeava no céu argenteando os campos, e a brisa rugitava nos palmares.

Refresca o vento.

O rulo das vagas precipita. O barco salta sobre as ondas e desaparece no horizonte. Abre-se a imensidade dos mares, e a borrasca enverga, como o condor, as foscas asas sobre o abismo.

Deus te leve a salvo, brioso e altivo barco, por entre as vagas revoltas, e te poje nalguma enseada amiga. Soprem para ti as brandas auras; e para ti jaspeie a bonança mares de leite!

Enquanto vogas assim à discrição do vento, airoso barco, volva às brancas areias a saudade, que te acompanha, mas não se parte da terra onde revoa.

DOIS - Pablo Neruda

Dois...
Apenas dois.
Dois seres...
Dois objetos patéticos.
Cursos paralelos

Frente a frente......
Sempre......
A se olharem...
Pensar talvez:
Paralelos que se encontram no infinito...

No entanto sós por enquanto.
Eternamente dois apenas.

DIA DOS PAÍS - Giuseppe Ghiaroni


Meu pai está tão velhinho,
tem a mão branca e comprida,
parecendo a sua vida,
longa vida que se esvai.
E eu o lembro quando moço
de uma atlética altivez.
Ah! Tinha força por três!
Você se lembra, papai?

Menino, ouvia dizer
que você era um gigante.
Eu ficava radiante
e também me agigantava.
Porque toda madrugada,
eu quentinho do agasalho,
ao sair para o trabalho
o gigante me beijava.

Sua grande mão de ferro
parecia leve, leve
naquela carícia breve
que da memória não sai.
Depois... um beijo em mamãe
e o meu gigante partia.
E a casa toda tremia
com os passos de papai.

Mas agora o seu retrato
muito moço, muito antigo,
se parece mais comigo
do que mesmo com você.
Você já lembra vovô
e, à medida que envelhece,
papai, você se parece
com mamãe, não sei por quê.

Você se lembra, papai?
Quando mamãe, de repente,
caiu de cama, doente,
era o pai quem cozinhava.
Tão grande e desajeitado
a varrer... Quando eu o via
de avental, papai, eu ria;
eu ria e mamãe chorava.

Eu quis deixar o ginásio
para ganhar ordenado,
ajudar meu pai cansado,
mas tal não aconteceu.
Papai disse estas palavras:
Sou um operário obscuro,
mas você terá futuro,
será melhor do que eu.

Eu? Melhor que este velhinho
a quem devo o pão e o estudo?
Que é pobre porque deu tudo
à Família, à Pátria, à Fé?
Meu pai, com todo o diploma,
com toda a universidade,
quisera eu ser a metade
daquilo que você é.

E quero que você saiba
que, entre amigos, conversando,
meu assunto vai girando
e no seu nome recai.
Da sua força, coragem,
bondade eu conto uma história.
Todos vêem que a minha glória
é ser filho de meu pai.

"Um dia eu fui tomar banho
no rio que estava cheio.
Quando a correnteza veio,
vi a morte aparecer.
Papai saltou dentro d’água
nadando mais do que um peixe,
salvou-me e disse:_ Não deixe!
Não deixe mamãe saber!".

Assim foi meu pai, o forte
que respeitava a fraqueza.
Nunca humilhou a pobreza,
nunca a riqueza o humilhou.
Estava bem com os homens
e com Deus estava bem.
Nunca fez mal a ninguém
e o que sofreu perdoou.

Perdoa então se lhe falo
Daquilo que não se esquece.
E a minha voz estremece
e há uma lágrima que cai.
Hoje sou eu o gigante
e você é pequenino.
Hoje sou eu que me inclino.
Papai... a bênção, papai.

DIA DAS MÃES - Giuseppe Ghiaroni

















Mãe! eu volto a te ver na antiga sala
onde uma noite te deixei sem fala
dizendo adeus como quem vai morrer.
E me viste sumir pela neblina,
porque a sina das mães é esta sina:
amar, cuidar, criar, depois... perder.

Perder o filho é como achar a morte.
Perder o filho quando, grande e forte,
já podia ampará-la e compensá-la.
Mas nesse instante uma mulher bonita,
sorrindo, o rouba, e a velha mãe aflita
ainda se volta para abençoá-la.

Assim parti, e nos abençoaste.
Fui esquecer o bem que me ensinaste,
fui para o mundo me deseducar.
E tu ficaste num silêncio frio,
olhando o leito que eu deixei vazio,
cantando uma cantiga de ninar.

Hoje volto coberto de poeira
e te encontro quietinha na cadeira,
a cabeça pendida sobre o peito.
Quero beijar-te a fronte, e não me atrevo.
Quero acordar-te, mas não sei se devo,
não sinto que me caiba este direito.

O direito de dar-te este desgosto,
de te mostrar nas rugas do meu rosto
toda a miséria que me aconteceu.
E quando vires a expressão horrível
da minha máscara irreconhecível,
minha voz rouca murmurar: ''Sou eu!"

Eu bebi na taberna dos cretinos,
eu brandi o punhal dos assassinos,
eu andei pelo braço dos canalhas.
Eu fui jogral em todas as comédias,
eu fui vilão em todas as tragédias,
eu fui covarde em todas as batalhas.

Eu te esqueci: as mães são esquecidas.
Vivi a vida, vivi muitas vidas,
e só agora, quando chego ao fim,
traído pela última esperança,
e só agora quando a dor me alcança,
lembro quem nunca se esqueceu de mim.

Não! Eu devo voltar, ser esquecido.
Mas que foi? De repente ouço um ruído;
a cadeira rangeu; é tarde agora!
Minha mãe se levanta abrindo os braços
e, me envolvendo num milhão de abraços,
rendendo graças, diz:"Meu filho!", e chora.

E chora e treme como fala e ri,
e parece que Deus entrou aqui,
em vez de o último dos condenados.
E o seu pranto rolando em minha face
quase é como se o Céu me perdoasse,
me limpasse de todos os pecados.

Mãe! Nos teus braços eu me tranfiguro.
Lembro que fui criança, que fui puro.
Sim, tenho mãe! E esta ventura é tanta
que eu compreendo o que significa:
o filho é pobre, mas a mãe é rica!
O filho é homem, mas a mãe é santa!

Santa que eu fiz envelhecer sofrendo,
mas que me beija como agradecendo,
toda a dor que por mim lhe foi causada.
Dos mundos onde andei nada te trouxe,
mas tu me olhas num olhar tão doce
que, nada tendo, não te falta nada.

Dia das Mães! É o dia da bondade,
maior que todo o mal da humanidade
purificada num amor fecundo.
Por mais que o homem seja um mesquinho,
enquanto a Mãe cantar junto a um bercinho
cantará a esperança para o mundo!

CONTINUIDADE - Giuseppe Ghiaroni

Existe um cão que ladra quando eu passo,
como se visse um bêbado, um mendigo.
E, no entanto, esse cão foi meu amigo
como tantos amigos que ainda faço.

À noite, com que alegre estardalhaço
vinha encontrar-me no portão antigo,
enquanto a dona vinha ter comigo
e, sorrindo, apoiava-se ao meu braço.

Hoje ele faz a outro a mesma festa
e ela o mesmo carinho,
tão honesta como se nem notasse a transição.

Eu rio dessa triste brincadeira.
mas quando uma mulher é traiçoeira
não se pode confiar nem no seu cão!

COMO DEVE SER UM BOM MÉDICO - Samuel Hahnemann

Escolhei de preferência um médico que jamais se mostre grosseiro, que nunca se irrite, salvo a vista de uma injustiça; que não desdenhe de pessoa alguma, salvo dos lisonjeadores; que tenha poucos amigos, mas por amigos, homens de coração; que deixe aos que sofrem a liberdade de se lastimarem; que jamais emita opinião sem prévia reflexão; que prescreva poucos medicamentos, a maioria das vezes um único, e em substância; que viva modestamente e retirado, afastado do ruído da multidão; que não dissimule o mérito de seus confrades e não faça auto-elogio; enfim, um amigo da ordem, da tranqüilidade, um homem de amor e de caridade."Antes de escolherdes um médico observai como ele se comporta com os doentes pobres e se, em seu gabinete, quando está só, se ocupa com trabalhos sérios."

CANÇÃO DO EXÍLIO - Gonçalves Dias

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

De Primeiros cantos (1847)

AOS MEUS AMIGOS - Vinicius de Moraes

Tenho amigos que não sabem oquanto são meus amigos.Não percebem o amor que lhesdevoto e a absolutanecessidade que tenho deles.A amizade é um sentimento maisnobre do que o amor,eis que permite que o objeto delase divida em outros afetos,enquanto o amor tem intrínseco o ciúme,que não admite a rivalidade.E eu poderia suportar,embora não sem dor,que tivessem morrido todos osmeus amores, mas enlouqueceriase morressem todos os meus amigos!
Até mesmo aqueles que não percebemo quanto são meus amigos e o quantominha vida depende de suas existências ….A alguns deles não procuro, basta-mesaber que eles existem.Esta mera condição me encoraja a seguirem frente pela vida.
Mas, porque não os procuro comassiduidade, não posso lhes dizer oquanto gosto deles.Eles não iriam acreditar.Muitos deles estão lendo esta crônicae não sabem que estão incluídos nasagrada relação de meus amigos.
Mas é delicioso que eu saiba e sintaque os adoro, embora não declare enão os procure.E às vezes, quando os procuro,noto que eles não temnoção de como me são necessários,de como são indispensáveisao meu equilíbrio vital,porque eles fazem partedo mundo que eu, tremulamente,construí e se tornaram alicerces domeu encanto pela vida.
Se um deles morrer,eu ficarei torto para um lado.Se todos eles morrerem, eu desabo!Por isso é que, sem que eles saibam,eu rezo pela vida deles.E me envergonho,porque essa minha prece é,em síntese, dirigida ao meu bem estar.Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.Por vezes, mergulho em pensamentossobre alguns deles.
Quando viajo e fico diante delugares maravilhosos, cai-me algumalágrima por não estarem junto de mim,compartilhando daquele prazer …Se alguma coisa me consomee me envelhece é que aroda furiosa da vida não me permiteter sempre ao meu lado, morandocomigo, andando comigo,falando comigo, vivendo comigo,todos os meus amigos, e,principalmente os que só desconfiamou talvez nunca vão saberque são meus amigos!
A gente não faz amigos, reconhece-os.

ALMA MINHA GENTIL QUE TE PARTISTE - Luiz de Camões

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Algua cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

AINDA ONTEM - Charles Aznavour

Ainda ontem
Eu tinha vinte anos
Acariciava o tempo
E brincava de viver
Como se brinca de namorar

E vivia a noite
Sem considerar meus dias
Que escorriam no tempo
Fiz tantos projetos
Que ficaram no ar

Alimentei tantas esperanças
Que bateram asas
Que permaneço perdido
Sem saber aonde ir

Os olhos procurando o Céu
Mas, o coração posto na Terra

Ainda ontem
Eu tinha vinte anos
Desperdiçava o tempo
Acreditando que o fazia parar

E para retê-lo, e até ultrapassá-lo
Só fiz correr e me esfalfar
Ignorando o passado
Que conduz ao futuro

Precedia da palavra "eu"
Qualquer conversação
E opinava que eu queria o melhor
Por criticar o mundo com desenvoltura

Ainda ontem
Eu tinha vinte anos
Mas perdi meu tempo
A cometer loucuras

O que não me deixa, no fundo
Nada e realmente concreto
Além de algumas rugas na fronte
E o medo do tédio

Porque meus amores
Morreram antes de existir
Meus amigos partiram
E não mais retornarão

Por minha culpa
Criei o vazio em torno a mim
E gastei minha vida
E meus anos de juventude
Do melhor e do pior
Descartando o melhor

Imobilizei meus sorrisos
E congelei meus choros
Onde estão agora
Meus vinte anos?

A DESPEDIDA DE MARQUES - Texto apócrifo

Se, por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo e me presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas, certamente, pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem. Escutaria quando os outros falassem e gozaria um bom sorvete de chocolate. Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida, vestiria simplesmente, me jogaria de bruços no solo, deixando a descoberto não apenas meu corpo, como minha alma. Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saísse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre estrelas um poema de Mário Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua. Regaria as rosas com minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos e o encarnado beijo de suas pétalas. Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida. Não deixaria passar um só dia sem dizer às gentes - te amo, te amo. Convenceria cada mulher e cada homem que são os meus favoritos e viveria enamorado do amor. Aos homens, lhes provaria como estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar. A uma criança, lhe daria asas, mas deixaria que aprendesse a voar sozinha. Aos velhos ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento. Tantas coisas aprendi com vocês, os homens... Aprendi que todo mundo quer viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa. Aprendi que quando um recém-nascido aperta com sua pequena mão pela primeira vez o dedo de seu pai, o tem prisioneiro para sempre. Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se".

2) CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO - Carlos Drummod de Andrade


Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e semhorizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

1) A PÁTRIA - Olavo Bilac


Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! não verás nenhum país como este!
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,
É um seio de mãe a transbordar carinhos.
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Vê que grande extensão de matas, onde impera
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!
Boa terra! jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha...
Quem com o seu suor a fecunda e umedece,
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!
Criança! não verás país nenhum como este:
Imita na grandeza a terra em que nasceste!